Pode um livro escrito em um contexto bastante específico de luta política dentro de um partido se tornar um clássico do pensamento marxista? Pode esse livro simbolizar um momento de inflexão política e teórica na história da luta de classes? Pode uma obra escrita no nascedouro do chamado eurocomunismo, cinquenta anos depois dizer tanto sobre os descaminhos, ilusões e desafios da esquerda contemporânea?
Étienne Balibar enfrenta em Sobre a ditadura do proletariado um debate crucial para o movimento comunista no século XX. Escrito como resposta à decisão do 22º Congresso do Partido Comunista Francês de abandonar o conceito de “ditadura do proletariado”, o livro trata essa questão não como simples divergência terminológica, mas como expressão de uma crise de grande alcance que então desabrochava com máxima força. Balibar entende que, longe de resolver qualquer controvérsia, o abandono de um conceito essencial da teoria e da prática revolucionárias coloca novos impasses e graves problemas, além de sinalizar flagrante incompreensão do marxismo, questionando se a renúncia ao conceito não significaria, enfim, a renúncia à própria luta de classes.
Mais do que uma modernização da linguagem partidária, adaptação aos novos tempos e crítica a posições autoritárias anteriores a serem superadas por uma “via democrática ao socialismo”, para Balibar essa mudança arriscaria desarmar o movimento operário, obscurecendo a natureza do Estado como instrumento de dominação de classe e diluindo a distinção fundamental entre a democracia burguesa e a transição para o comunismo. A análise aprofunda-se na teoria marxista do Estado, desconstruindo as concepções que o veem como uma entidade neutra ou como campo de disputa onde a hegemonia pode ser conquistada sem ruptura revolucionária. Balibar reafirma a tese de que o Estado capitalista, em essência, serve à reprodução das relações de exploração e que, logo, não é reformável para servir aos interesses da maioria – a transição para o comunismo exigiria não a sua conquista gradual, mas a sua “quebra” e a construção de uma nova forma de poder político, uma democracia proletária radicalmente diferente da democracia liberal.
Para fundamentar sua argumentação, Balibar traça paralelos entre o debate de Paris (1976) e as lições da experiência soviética, simbolizada por Moscou (1936). Essa abordagem permite examinar as dificuldades concretas da edificação do socialismo. Assim, o autor defende que o conceito, apesar de suas complexidades e distorções, é indispensável para pensar a transformação radical do poder político pela classe trabalhadora.
Esta edição ganha ainda um valor inestimável ao resgatar a tradução de José Saramago, feita para a edição portuguesa de 1977. Preservando a grafia e as convenções da época, a tradução de Saramago se constitui não apenas em veículo para as ideias de Balibar, mas em um documento histórico em si.
Sobre a ditadura do proletariado é, portanto, leitura essencial para estudantes, pesquisadores e militantes interessados em teoria política, no marxismo e na história do movimento comunista, oferecendo ferramentas críticas para compreender os desafios (e também as ilusões) da transformação social no passado e no presente.
Sobre a ditadura do proletariado
Autor: Étienne Balibar
ISBN: 9786584972162
Edição: 1ª
Ano de publicação: 2025
Páginas: 400 (estimadas)
Dimensões: 14cm x 21cm
Peso: 0,420
Encadernação: brochura
Tradução: José Saramago
Prefácio: Alysson Leandro Mascaro
Revisão: Da Vinci Livros
Capa: Maikon Nery
Étienne Balibar (1942) é filósofo, professor emérito da Universidade de Paris-X-Nanterre e professor da Universidade da Califórnia. É autor, entre outros, de Spinoza et la Politique, Les Frontières de la démocratie, Lieux et Noms de la vérité, La Crainte des masses e Droit de Cité. No Brasil, a Da Vinci lançou A filosofia de Marx (2023) e a Boitempo, Raça, nação, classe: as identidades ambíguas, livro escrito em parceria com Immanuel Wallerstein.